Escrito por F. Boehl e Phelipe Cruz




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Rio de Janeiro, Brasil



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Sara nasceu na baixada fluminense

Tinha vergonha disso. Quando começou sua adolescência, procurava uma alternativa pra se sentir melhor. Começou a se vestir de um jeito diferente. Os vizinhos e os pais não gostavam. Mas ela dizia: "É a última moda em Londres. Vocês não sabem de nada!" O pai era o que mais brigava: "Então vai se vestir assim em Londres. Não em Caxias!". A menina se empenhou nos estudos; passou para uma faculdade federal e fez comunicação. Queria morar no Rio. "Eu arranjo dinheiro, pai. Eu divido uma quitinete em Copacabana com os meus amigos" E foi isso que aconteceu.

A menina freqüentava todas a cena underground da cidade. Ficou conhecida na night. Montou uma banda. Desfez a banda. Fumou maconha. Cheirou coisas. Dormiu bêbada na calçada. Deu pra 3 meninos diferentes no fim de semana e se esqueceu do nome de dois. Falava alto. Comprava roupas em brechós. Entrava em boates de graça. Fez um blog. Bebia Red Bull. Lambia vaginas às vezes. Ria de quem gostava de Titanic e Britney Spears. Fez várias tatuagens. Inclusive uma nos seios, escrita: U Suck!

Chegou aos 30 anos sem namorado. Todos os seus amigos já tinham esquecido as guitarras, as bandas de brit-pop, os circuitos alternativos de cinema iraniano e arrumado um emprego. E Sara, nem namorado. Voltou pra Caxias. Trabalhou na padaria de seu tio. Todo mundo perguntava sobre a tatuagem que cobria todo o seu braço. Ela dizia: coisas de ex-clubber, babe! Se liga no bread!


 
Do Grajaú ao Leblon

Oswaldo se achava melhor que todo mundo. Em casa, respondia as perguntas da mãe e da tia com certos risos e deboches. Todos da família respeitavam o menino prodígio. O ego do garoto era do tamanho de sua inteligência. Tinha 24 anos e falava no telefone com os amigos, coisas que para o ouvido de sua mãe, eram latim. Dona Alzira não entendia nada, mas respeitava os telefonemas. Pagava as contas de 800 reais com orgulho.

Oswaldo era escritor precoce. Tinha três livros publicados e recebeu excelentes críticas. Morava no Grajaú com a mãe, a avó e a tia. Era o único homem da família. Seu pai tinha morrido na hora do parto. Isso mesmo. Ficou nervoso e teve uma parada cardíaca ao ver a mulher parir seu primeiro e único filho. Oswaldo carregava essa culpa nos ombros. Tinha que ser o melhor e mais honesto homem.

A família se muda para o Leblon. Oswaldo agora tinha uma grana boa. Seu livro tinha rodado países. Alugaram um apartamento de três quartos. Os telefonemas triplicaram! Mas não eram mais de amigos. Recebia ligações de editores, atores, Luana Piovani...

Só que Oswaldo estava mudado. Só ficava na internet. Não dava mais ouvidos para sua mãe. Entrava em casa de manhã, ficava no computador e de noite, saía novamente. Trazia homens e mulheres pra casa e ficava horas trancado no quarto. Seu último livro foi um fracasso. Não vendeu nada. Demorou mais de três anos para ser escrito e ainda recebeu resenhas debochadas. Sua mãe achava que o filho precisava de um descanso, de uma namorada. Decide comprar uma passagem para a Itália e ele decide aceitar.

Dois meses depois, Oswaldo volta de Roma pior ainda. Cabelo comprido. Barba pra fazer, olheiras e mau hálito. Tinha cansado dessa história toda de fama e sucesso. Queria voltar a ser o garoto metido de Grajaú com sonhos mirabolantes. Ia chegar em casa e propor para Dona Alzira voltar para o Grajaú. Sua mãe ao ouvir a idéia, exclamou:
- Vai você! Eu vou ficar aqui no Leblon.
- Como é que é?
- Eu não saio daqui, você tá maluco? Eu ando na praia e já to quase amiga da Paula Lavigne.

A campainha toca. Oswaldo abre a porta e dá de cara com Mauro Rasi, que trazia o chá da tarde pra tomar com as velhas da casa. Oswaldo pula do décimo andar.


 
Lúcia era perdida no mundo. Desde que seus pais se separaram num divórcio que até virou manchete de jornal, o clichê ambulante de pobre menina rica entrou em parafuso. Passou a usar drogas e parou de sair de casa. Ficava na frente do computador fumando, baixando MP3 e fazendo testes para colar os banners em seu blog.
- Eu preciso mudar. Isso aqui não é vida, eu sou um vegetal.
A empregada só concordava com a cabeça, enquanto passava o aspirador de pó na cama da garota.
- Lavar para quê? Essa porca vai encher de cinza de cigarro de novo - resmungava Alzira ao som de Sigur Ros - você precisa arranjar um namorado, menina! Fica conversando sozinha com esse cinzeiro e ouvindo essas músicas de padre... (Alzira desmunhecava a mão no ar e fazia um bico debochado).
- Ai Alzira, deixa de ser escrota. Fora do meu quarto ou eu conto pra minha mãe que você rouba filé do freezer e deixa carne de segunda no lugar.
Apesar de brigarem muito, havia uma cumplicidade entre as duas. Era Alzira que trazia do morro as drogas que Lúcia precisava para enfrentar a solidão. Em troca, a menina deixava a empregada usar o chat do UOL para descolar umas trepadas ocasionais. Lúcia invejava o jeito que Alzira lidava com a vida. Se estava meio caída, logo arranjava uma boa trepada e ficava novinha em folha. Encontrava a menina no corredor, dava de ombros e dizia:
- Viu? Aprende com quem sabe!

Lucia fazia que se irritava, mas concordava por dentro. Começou a freqüentar as mesmas salas de bate-papo da doméstica. Foi lá que conheceu Manoel, um português inteligente. Graças a ele, a vida passou a fazer sentido. O cara era um pai para ela. Enchia ela de presentes. Iam a praia todos os dias e corriam em torno da lagoa ao cair da tarde. Lucia nem tinha mais aquela cor branca esverdeada. Alzira nem precisava mais limpar o quarto e trazer as drogas do morro. Tanto que foi demitida. Magoada, chamou os poucos irmãos que ainda não estavam presos e mandou capar o português.
- Detesto me sentir usada. – disse ao repórter do RJTV enquanto era algemada.


 
Sueli estava desolada. Todas as suas amigas se deram bem no ano novo e ela ficou a ver navios. O pior era agüentar a gozação enquanto lanchavam no Bob´s da Avenida Atlântica:
- Tu é muito burra mesmo, Su!
- Todas nós pegamos vários gringos ricos show de bola e tu ficou bebendo água mineral no bar.
- É...água mineral...muito mané...
As amigas eram cruéis. Todas eram putas (no real sentido da palavra), bêbadas e felizes. E queriam impor o estilo de vida sobre a amiga, que se dizia muito contente sendo estoquista da Triton do Rio Sul e freqüentando a Sara Nossa Terra aos domingos.
- Garota, abre o olho. Homem é tudo filho-da-puta! Você tem que explorar eles ao máximo e depois dar um pé na bunda.
- Eu não concordo, gente. Acredito que exista alguém por aí que me ame e me respeite.
- Sonha, Sueli.
E Sueli sonhou. Tanto que conheceu Clayton. Era tudo o que ela queria. Carinhoso, ótimo papo e super romântico. Namoraram durante dois anos. O garoto consertava coisas da casa junto com o sogro, elogiava o bolo da Dona Rita e brincava com os labradores. O único defeito, segundo as amigas, era que ele não tinha grana nenhuma. Estudava jornalismo na Estácio e era estagiário. Vivia sem grana. Sueli bancava tudo pro garoto. Desde os big-macs até as noites nos motéis. Mas não se importava. Afinal, tinha arranjado um homem e um motivo para mostrar para as amigas que elas estavam erradas.
- Ah, gente. E além de tudo, ele tem pau grande! (dizia rindo, toda orgulhosa)
Tanto Sueli propagandeou sobre os dotes do namorado que as amigas resolveram conferir. Julia foi a primeira. E cobrou só a metade do preço. Afinal, ele era de casa.