Escrito por F. Boehl e Phelipe Cruz




::Arquivo


Rio de Janeiro, Brasil



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Felipe tinha problemas com a sua sexualidade. Não que ele fosse gay, mas curtia lances com outros caras, desde que estes fossem másculos. Bem, era isso que ele pensava. Todo mundo, menos ele, sabia que no fundo, era só mais uma bichinha. E que o CD da Shakira no carro, não era porque achava a cantora gostosa. Aliás, ele dizia que achava. Uivava sempre que via algum videoclipe da cantora:
- Gostosa!

Para disfarçar, fazia coisas que considerava masculinas como beber, fumar, dizer palavrão e assistir luta livre no pay-per-view. Para ajudar na construção do tipo, tinha feito uma tribal nos braços e comprou um rotweiller. Todo fim de tarde, pegava Tyson - este era nome do cachorro - e dava voltas pelas ruas de Copacabana. E aproveitava para falar com a galera que tomava sucos esquisitos depois da academia.

E foi numa destas voltas, que avistou Carlos, que passeava com um poodle. Felipe riu por dentro.
- Ih, esse cara é boiola! Mas até que é gato. Vou dar uma idéia nele. Vai que eu pego?

Abriu o papo falando sobre cachorros. Conversa vai, conversa vem e Felipe arrisca:
- Me dá teu telefone, cara. Quem sabe a gente não troca uma idéia mais tarde lá em casa e tal...

A resposta foi um murro no queixo que o jogou no chão. Sem entender onde tinha errado, o coitado perguntou:
- Poxa, mas você passeia com um poodle branquinho! Qualé a tua?
- É da minha mãe, ô viado!


 
Dona Consuelo já estava sem tevê a cabo a mais de 24 horas. A solidão, normalmente apaziguada pelos canais de filmes de ação dublados, havia voltado.

- Puta que pariu. O que eu vou fazer agora? Eu não leio. A casa já tá limpa. Tô fudida, caralho!
Dona Consuelo era uma virgem quarentona e falava muitos palavrões.
- Vou ter que ligar pra porra da NET de novo - rosnava para si mesmo enquanto discava.
- Atendimento NET, Alice, boa noite.
- Boa noite o caralho! Quando é que essa merda dessa televisão vai voltar a funcionar?
- Com quem falo?
- Com quem fala? Quer saber meu nome? Pois não, é Consuelo Pereira de Souza Costa, que-ri-da.
- Senhora Consuelo, o problema é com a televisão ou com a NET?
- Minha filha, enfie a sua ironia de quinta no rabo. Eu só quero que as porras dos canais dessa merda voltem a funcionar.
- Aguarde um momento. Estou checando no sistema. E me parece que seu bairro está sem sinal. Contamos com uma equipe da NET no local trabalhando para resolver o problema.
- Então me coloca num bairro onde eu tenha minha televisão de volta. Dá um jeito! Eu pago essa merda, sua filha da puta. E pago caro, porra!
- Dona Consuelo, se a senhora continuar usando este palavreado eu não mais atenderei à senhora.
- Ah é? E daí eu vou ser atendida por alguém que vai resolver o meu problema? Então escuta aqui. Preste bastante atenção nestas palavras: EU ESTOU SEM A NET HÁ HORAS E QUERO ESSA MERDA FUNCIONANDO AGORA! Eu disse AGORA, sua piranha burra!
- O funcionamento estará regularizado em instantes.
- Instantes... (Consuelo fica meio minuto sem dizer nada)
- Senhora Consuelo?
- Escuta aqui, Alice, você tem mãe?
- Como, senhora?
- Você tem mãe? É uma pergunta simples.
- Acho que isso não vem ao caso. Posso ajudar em mais alguma coisa, senhora?
- Ah, você quer desligar, vagabunda? Vai desligar na minha cara, sua filha da puta? Experimenta!
- A NET agradece sua ligação, senhora Consuelo. Dentro de alguns instantes...
- Você vai dar essa sua boceta pro seu chefe. E aí quando acabar, volta pra atender mais ligações de nós idiotas sem televisão, né? É assim que vocês trabalham, né? Suas piranhas incompetentes! Bando de vadias...
-... (o telefone é batido na cara de Dona Consuelo, que sai descontrolada pela casa quebrando controle remoto, atirando quadros e derrubando abajures)

Só consegue dormir à noite sob efeito de Lexotan. Acorda com a campainha tocando sem parar:
- É o pessoal da NET!
Na manhã seguinte, o porteiro, que sempre buscava o jornal para Consuelo, teve que arrombar a porta. Desmaiou após ver e a cabeça da solteirona em cima da televisão e pichações do Comando Vermelho pela parede. Alice, atendente de telemarketing da NET, morava no morro e fez amizades muito fortes por lá. A televisão voltou a funcionar, mas só com os canais Shoptime e Futura. A polícia desconfia de suicídio.



 
Carla tinha um sério problema: vaginite

Tinha começado a namorar e o cara já queria levá-la pra cama. A jornalista de 26 anos, que ficou solteira recentemente, conheceu Gustavo no trabalho. Troca de olhares durante um café na cozinha, gentilezas no elevador, mensagens por icq, cinema, jantar e...cama:

-Não Gustavo, hoje não.
-Como assim hoje não?
-Não estou preparada. Não queria que as coisas fossem tão rápidas assim
-Tudo bem...

Gustavo era estagiário. Tinha 20 anos e era cheio de vontade. Era tudo que Carla queria depois de um casamento conturbado com um advogado de 40 anos. Queria aproveitar a vida. Tinha se aplicado desde cedo nos estudos, sempre foi muito correta em suas idéias; não fumava, não bebia e só tinha transado com o seu marido até hoje. A vaginite foi o que impediu que as carícias no sofá de sua casa tivessem um fim mais satisfatório. Gustavo estava inconformado, mas escondia isso bem. Aceitou a coca-cola oferecida pela namorada e ficaram vendo Zorra Total. Depois de um silêncio constrangedor, onde só se ouvia as risadas gravadas do programa da TV Globo, Gustavo resolve conversar:

-Carla, você é feliz?
-Nossa Gustavo...Por que essa pergunta agora?
-Sei lá... Às vezes eu sinto que o mundo fica todo em meus ombros. Tenho responsabilidades que eu não consigo cumprir. Tenho anseios que não me deixam dormir. Vejo você toda decidida, cheirosa e bonita e isso meio que me faz sentir um homem melhor. Você é a mãe que eu não tenho. A mulher que eu quero para mim. Eu não fico um dia sem pensar em você.
-Nossa, Gustavo...
-Espera, tem mais...Eu não sei o que vai pensar de mim, mas eu acho que me apaixonei. Seu toque é lindo. Suas mãos me atraem. Eu quero você pra sempre. Sabe rosas vermelhas? Sempre que eu olho para elas, eu me lembro de você.
-Nossa Gustavo. Você é uó!

Segunda-feira no trabalho, Carla termina com Gustavo. E até hoje não marcou um ginecologista.





 
Ricardo era esquisito. Cabeça enorme equilibrada sobre um corpo magro e barrigudo. Carregava as sacolas pelo corredor quando foi quase jogado no chão por um apressado:
- Porra, você é cego?
- No momento, estou. Me desculpa.
Ricardo ficou vermelho de vergonha. Quis consertar o fora dizendo que foi uma força de expressão e completou com uma frase de efeito totalmente sem nexo.
- Carioca só quer saber de corpo. Alma, caráter, essas coisas não valem.
Luís continuou parado ouvindo. Quem diria que um simples esbarrão minutos atrás daria num encontro? Luís era de Minas, estava no Rio há pouco tempo. Um acidente envolvendo uma tentativa de churrasco com uma garrafa de álcool tinha deixado o mineiro com dois tampões nos olhos. Luís, depois de ouvir horas de lamúrias de Ricardo, resolve falar:
- Você tem uma voz muito sexy.
Ricardo tremeu. Um elogio. Era tudo o que ele precisava. Estava cansado de levar foras de caras no bate-papo do UOL. Se sentiu leve. Se sentiu querido. Luís era especial. Ele sentiu isso. Luís continua:
- Quer ir comigo até o meu médico? Preciso tirar esses curativos.
Sim. Sim. sim. Ricardo responderia sim para qualquer coisa que Luís pedisse. Ficou aguardando na sala de espera. Foi coisa rápida. Nem havia terminado de ler a Chiques e Famosos quando Luis apareceu sem curativos.
- E então, Lu? Como está?
Luis olhou o garoto de cima abaixo.
- A gente se vê por aí. Valeu!


 
Eliane estava triste

Naquela noite tinha deixado tudo o que mais amava para trás. Tinha terminado com o namorado. Não sabia o que ela sentiria no futuro. Gustavo foi seu primeiro namorado e tinha sofrido muito com ele. Encheu o peito de ar e terminou com o garoto, que era 2 anos mais novo do que ela. Chorou muito. Pensava em solidão e aquilo assustava. Tinha aprendido a andar junto com o namorado. Que dava pra ela segurança, confiança e carinho. Coisa que não tinha muito dos pais separados. Não dormiu de noite. Acendeu o abajur e ficou olhando para o teto fixamente. Pensou como que sua vida seria adiante. E chorou mais.


Tinha 20 anos e morava com a mãe, que naquela noite, não iria dormir em casa. Pensou em telefonar para os amigos, mas não queria acordar ninguém. Andava pela casa escura. Gustavo tinha ficado com uma amiga dela. Eliane já sabia disso dois meses atrás e vinha tomando coragem para terminar com o namorado. Só conseguiu dormir quando amanheceu. Acordou 4 da tarde, foi ao banheiro e ficou parada em frente ao espelho durante uns 5 minutos. Tomou banho. Pegou o carro e saiu. Foi pra casa de Antônio, um amigo de infância:
- Oi Antônio, você poderia me devolver o CD dos Travessos que eu te emprestei?
- Claro!
Colocou o CD no som do carro e voltou pra casa cantando.





 
Alegria, alegria, Syang também é uma inter:urbana. O site da Playboy traz um conto incompleto da roqueira (sic) e convida os leitores a escreverem um final para a obra. Em negrito, o nosso desfecho enviado para a Playboy.

Latejo

A qualquer momento, com a inspiração, tudo é propício. Domingo de sol, meu Mustang 68, sol a pino, cabelos ao vento, pouca roupa. Vou despindo peça a peça, o som do carro é hipnótico, é... tudo pode rolar.

Naquela estrada deserta, divago em cada parte de teu corpo. Posso sentir cada gota do teu suor, tua saliva doce, tua língua macia e te imagino ali, dentro de mim.
Escrever ou enlouquecer, preciso liberar meus anseios...

Paro a nave em um lugar verde com um lago cristalino, muita sombra. Eu, nua em pêlo, só de botas, pego no banco traseiro uma manta, estico sobre a relva quente, caneta e muito tesão, derramo letras e desejos no papel. Palavras que me intumesciam o sexo, a boca, a carne. Quando me pego a acariciar meu corpo, sinto-me possuída e triste, porque não posso tê-lo agora me segurando por trás e me fazendo suar por completo. Não quero acabar com esse estado de prazer: fecho meus olhos e me amo ali.

Latejo, te quero
No cio eu vivo
Respiro paixão
Sou puro tesão
Só penso em sexo
Sou toda vagina
Te quero inteiro
Dentro de mim...

Absorta em meus pensamentos uterinos, não percebo os pivetes no meio do mato a me espionar. Eles atraem minha atenção atirando bolinhas de mamona em meus cabelos loiros. Emputecida, eu me levanto e grito: "qual é, seus filhos da puta"?


 
- Duvida que eu tire fininho daquele guarda?
- Tu é louca, Adriana? Tu tá com o baseado na mão!
Adriana e Ana Paula caíam na gargalhada. Elas adoravam andar de roller pelo asfalto da Avenida Atlântica aos fins de semana. Iam juntas com Igor, o namorado de Ana Paula. Ele atrás, a pé:
- Roller é coisa de veado.
- Cala a boca, Igor. Tu não sabe de nada!
Igor não sabia de nada mesmo. Nem desconfiava que a namorada o traía com a amiga toda vez que ele ia treinar jiu-jitsu. Ana Paula só transava com o namorado quando estava bêbada ou precisando de dinheiro.
- Vai, Adriana!
Ana Paula estimulava todas as loucuras da amiga. Fazia isso porque não tinha coragem de fazer por si só. Tivera uma educação muito rígida na Escola Britânica. Não adiantou nada. Nunca concluiu o segundo grau. Trabalhava de vendedora numa Boticário em Copacabana.
Adriana foi. Pegou impulso. Passou a mão na bunda de uma turista americana no meio do caminho e se projetou em direção ao cabo Afonso. Esse já tinha sentido o cheiro de maconha de longe, mas como sempre, olhou para direção oposta. Ela teria se dado bem em sua peripécia senão fosse a boa mira da americana. Injuriada com o abuso, pegou o coco que estava tomando e acertou a cabeça da garota, que caiu no colo do cabo Afonso.
- Aí gostosa, tu é chegada numa erva. To te sacando faz horas. Me paga um boquete que eu livro tua cara.
- Nem morta, negão.
Foi a última vez que a viram. Uma semana depois, acharam um corpo boiando no mangue do Fundão. Estava irreconhecível. O legista tentou ajudar:
- A gente pode fazer um exame de arcada dentária.
- Não dá, Adriana nunca foi num dentista.- responde Ana Paula.
- Pô, ela tinha um bafo do caralho - completa Igor.
- Cala a boca, Igor. Tu não sabe de nada!



 
Bete vendia doces

- Olá gente, dá licença. Alguém vai querer doce hoje?
- Não, Bete, muito obrigado.
- De nada, meus amores
Sobe mais um andar:
- Alô crianças, alguém vai querer um docinho em compota, hoje?
- Ai minina, lá vem você me tentar. Tem aquele de doce de leite com coco?
- Esse eu vou ficar te devendo.
- Ah, então deixa...
Oitavo andar:
- Olá. Alguém quer doce hoje?
- Não.
- Hoje tem de doce de leite, de ameixa, de pêssego, de açaí...
- Não.
Nono andar:
- Carlinha meu amor, vai querer um doce hoje?
- Só se for preu explodir de gorda. Olha o tamanho da minha barriga. (levanta a blusa)
- É verdade. Você engordou bastante. Vou embora pra te ajudar!
Décimo:
- Oi Antônio, vai querer doce?
- Só se for esse que está no meio das suas pernas.
- Menino, não fala isso. Hoje eu andei pra caramba. Ela deve estar bem salgadinha. Se você não se importar...
- Ah não...eu queria doce mesmo. Valeu!
- Ok!
Sobe mais um:
- Oi. Doce?
- Tem de ameixa?
- Tem.
- Me vê 20.
- Eu só tenho dois potes deste.
- Então deixa...

Era segunda-feira. Bete não vendia nenhum doce neste dia da semana. Tinha contas para pagar. Perdeu o emprego meses atrás. Tinha duas tranças loiras, vestia uma calça jeans apertada e às vezes, dava para alguns gerentes de escritórios, porque estes compravam muitos potes com ela. Mas naquele dia, não tinha vendido nenhum. E estava pra ficar menstruada. No vigésimo andar, subiu no corrimão de mármore das escadas, junto com o carrinho. Olhou para aquele vão que ia até o primeiro andar e se jogou. Caiu no térreo com os potinhos de doce que quebraram em cima de seu corpo. As pessoas tomaram um susto imenso. Os faxineiros correram e começaram a lamber os doces da perna de Bete. Nem se importaram com o sangue. E os potes que foram amortecidos pela bunda da vendedora, foram roubados por pessoas que esperavam o elevador.


 
Cascadura via Dinamarca

Alfredo dançava muito bem. Era o melhor do bairro. Todo mundo o conhecia como Jack, do Tornado Dance Funk Club (TDFC), que era um grupo de street dance que fazia sucesso em Cascadura. Alfredo tinha um penteado poderoso. Da última vez que cortou o cabelo, deixou só um topete, que era todo o dia besuntado de gel e penteado de uma forma bem funky. Michele era apaixonada por ele. Na última festa do bairro, nas férias de julho, beijou o garoto na boca uns 4 dias seguidos até sangrar os lábios. Ela era um vulcão reprimido pelo pai militar. Michele chamava muita atenção. Era alta, loira, olhos verdes. Tinha um beiço do tamanho de Cascadura. Todos os garotos do bairro babavam nela. Mas ela ficava só com o Alfredo: "Ele é lindo, gente. Olha que gracinha."

Claudinho e a maioria do bairro não deixavam o menino em paz. Era chamado de boiola, veadinho e esquisito o tempo inteiro. Alfredo foi criado pela avó desde pequeno. Os pais morreram num acidente de carro. A dança, foi a sua salvação: "A dança me liberta. Me faz sentir livre. Acho meu lugar no mundo. Sou feliz quando danço." Ele dizia mais ou menos isso quando os jornais da região o entrevistavam após uma apresentação. Michele se apaixona. Alfredo, assustado com a menina, diz que o que eles sentem um pelo outro é uma grande amizade; que a respeita muito e um namoro seria algo muito responsável para o momento. E ele não estaria pronto pra isso.
Ele sabia usar as palavras muito bem. Lia desde pequeno. Michele chorava e chorava. As amigas não sabiam mais o que fazer. Diziam que ele não a merecia. Os meninos deram porrada nele. Dispensar a gostosa da Michele era algo incompreensível.

Em setembro, um ônibus da Dinamarca chegou com um grupo de dançarinos de rua para a competição que a cada dia ficava mais famosa no Rio de Janeiro. Os dinamarqueses do Dance Street Power for the Lovers of Funk ( DSPFTLOF) eram tratados como príncipes. A Dona Clotilde, vó de Alfredo, perguntava para um dos meninos se ele já tinha lido na Hamlet, na escola. Segundo ela, ele era um herói. Disse que o grupo de dança dos meninos era o reino desse príncipe. Os garotos não entendiam o inglês dela. Mas sabiam balançar a cabeça.

A vinda deste ônibus não deixou Alfredo dormir. Era a grande chance dele se destacar e quem sabe receber um convite para dançar na Dinamarca. Michele rezou para que tudo corresse bem. Dona Clotilde nem dormiu na véspera da competição. Alfredo cagou a noite inteira: "Mas tá tudo ótimo. Tudo dependerá da concentração e do ritmo do grupo. Com certeza faremos de novo um ótimo trabalho", dizia ele para os amigos. Eles saíam rindo e perguntando se onde o Alfredo comprou aquela calça, tinha uma para homem. Sábado de noite era A NOITE. Festa do Vinho e da Competição de Dança de Rua. Cascadura parou. A banda de Cíntia Mara, uma banda punk-rock com garotas gordas cheias de piercing e vestidas como criança, abriu a festa. Alfredo ficava no seu quarto enquanto o resto do grupo se divertia comendo churros e meninas. Ele não gostava de agitação antes de entrar no palco. Minutos antes da apresentação de seu grupo, o primeiro da noite, Dona Clotilde vai chamar Alfredo. Que não estava lá: "Cadê o Alfredinho, gente? Já procurei por todos os lugares". As vizinhas abanavam Clotilde que tremia mais que a coreografia do grupo.

Alfredo tinha ido, a convite de Ralph, para a Dinamarca. Tinha se apaixonado pelo menino logo quando chegou no Brasil. Alfredo deixou um bilhete que sua vó só foi descobrir depois de semanas. Dizia mais ou menos assim: Fui!


 
Filha de cor

Adriana sempre quis ser uma menina de cor. Era ela que falava assim. A menina era loira. Mas tinha fascinação por cabelos crespos, dreads, pele negra e dentes brancos. Desde pequena ouvia Sandra Sá, Jorge Ben... (fala os nomes assim até hoje).
A moça tem 23 anos. O pai dela desistiu de apresentar o vizinho loiro, os cd's do Kenny G e do Richard Clayderman. A menina tinha raízes negras muito fortes. A vizinha, às vezes, visitava a família e ficava assustada vendo Adriana usando gírias...
- Menina, como você tá mudada. Que unhas são essas?
- Yo, tia. Yo!
- Como?
- Qualé mano, se liga. (olha para os pais e completa) A tia aqui tá muito doida, saca?
O pai olhava para a vizinha e sorria sem graça. A mãe, normalmente se recolhia para o quarto e começava a chorar.

Eles eram ricões do Morumbi:
- Adriana desde pequena teve acesso aos discos da empregada, Alberto. Como você deixou isso acontecer?
- Não ponha a culpa em mim, Albertina. Você adorava o Tim Maia.
- Tim Maia nem preto é.
- Não fala besteira mulher. Tim Maia é tão preto quanto o Ronaldinho.

Os pais se culpavam. Não entendiam a paixão da filha pela cultura negra. Os 3 namorados de Adriana foram negros. Hoje estava sozinha. Estava curtindo uma solidão. Assim ela dizia. E se trancava no quarto pra ouvir a Nina Simone. Eu já disse que Adriana tem olhos verdes, 1,76 de altura, boca carnuda, cabelos longos e loiros? Tinha. O Marquinho era da sala dela na faculdade. Era um negão muito feio. Preciso dizer que ele a namorou durante 2 anos? Os amigos da faculdade cochichavam e debochavam. Albertina, mãe de Adriana e sósia de Marta Suplicy obrigou a filha a procurar uma psicóloga:
- Tudo bem, mãe. Mas quero uma de cor.
- Nada disso. Vai ser branca.

A briga era feia. Só terminou quando a Dr. Regina, que era albina, atendeu a menina no consultório. Elas se davam muito bem. Adriana ia sempre. Só se consultava ouvindo Billie Holiday. Dois anos de terapia se passam. No seu aniversário, a menina pede pra mãe, um cd do David Bowie. A mãe chora de emoção e grita:"obrigada, Jesus!". Depois de tanto insistir, Adriana ganha também uma passagem para Londres. "Alberto, ela desistiu de ir pro Harlem"!

Adriana já estava no exterior há dois anos. Quando perguntam para a mãe o paradeiro da filha, ela enche o peito de orgulho e diz : "Adriana amadureceu. Tá em Londres trabalhando. Tá namorando uma inglesa que toca na banda da PJ Harvey."



 
"Someone please, call 911!!", grita a piranha loira de nome Cindy Newman no Telecine. Enquanto isso na cozinha, a Creuza cozinha seu brócolis com torresmo pra alimentar o Bruno e o Maikol. "Depois eu vou tomar banho, passar meu perfume e descer pro baile".

Osmar tinha a convidado pra sair nesta sexta e ela como tava querendo um grande amor, resolveu aceitar o convite. Osmar encontrou Creuza no pé do morro...depois eles iriam andando pro baile funk que aconteceria ali perto. A garota tinha 19 anos, era prostituta e trabalhava muito. Era uma negona maravilhosa e sustentava os filhos sozinha. Aí você reclama: Pô, mas prostituta linda ganha bem e acaba saindo do morro. Mas é que ela era feia mesmo...quem falou aquilo de negona linda foi o Osmar enquanto olhava pra bunda de Creuza, que rebolava atravessando a rua. Chegando lá, dançaram até cansar. Tomaram o guaraná da Furacão, tiraram a camisa...Creuza subiu e desceu nas coxas do Osmar com o dedinho na boca infinitas vezes. Quando estavam saindo do baile, aquilo que ela mais temia, acontece. Durval encontra Creuza:

- Por que a senhora não foi trabalhar hoje?
- Pelo mesmo motivo que você não emagrece!

A negona era inteligentíssima. Pra evitar confusões maiores, ela respondia qualquer coisa que não fazia sentido algum. E numa altura maior com a qual lhe foi perguntada. Como Durval não pensava direito e tinha um complexo enorme por ser gordo, engolia o sapo na maioria das vezes. Mas naquele dia, a mãe dele tinha morrido. Creuza continua e grita: "Ouviu bem, seu gordo filho da puta?" Durval puxa a arma da cintura e atira na cabeça de Creuza, que cai com a sua calça da gang em cima de Osmar. "Someone please call 911?" Que nada, a gente tá na Rocinha. Cobre a vagabunda com um plástico preto que amanhã eles recolhem.




 
Sirléia estava desempregada. Isso já estava desesperador. Com três filhos pequenos e a mãe doente em casa, ela tinha que dar um jeito. Foi ver uma vaga de recepcionista no centro da cidade. No ônibus foi rezando.
- Senhor Jesus, derramai sua graça sobre essa serva e fazei com que o emprego seja meu.
O lugar era um casarão antigo. Sirléia estranhou a fila curta de moças. Ela estava acostumada a filas de pelo menos meio quarteirão. Ela entrou no lugar e se deparou com um monte de mulheres somente de calcinha e salto alto.
- Ai meu Jesus!
- Veio pro cargo de recepcionista?
- É...
O pessoal gostou de Sirléia. O emprego era dela.
O tempo passou e Sirléia comprou um carrinho, que ela tanto queria. Dinheiro já não era problema. Ela contou em casa que havia recebido uma promoção. A mãe dela acreditou.


 
Laura amava Anselmo mais do que tudo na vida. Ele era tudo o que ela queria na vida: gostoso, trabalhador e muito carinhoso. Estavam no primeiro ano de casamento. A vida era difícil, mas eles podiam se dizer felizes. Laura era professora primária de uma escola em Quintino e o marido, inspetor de polícia que acabara de ser transferido para uma delegacia em Copacabana. Laura não gostou muito da idéia. “Você só vai ficar atendendo aquelas putas”. Anselmo dizia que ela precisava de umas férias. E foi isso que Laura fez. Chamou a amiga para conhecer Petrópolis, andar de pedalinho e visitar o Museu Imperial. Dois dias de férias foram o suficiente para sentir falta do marido:
- Imagina o Anselmo neste museu com obras tão lindas...
- Nossa, mas você pensa nele o tempo todo!
- Eu amo ele, Carminha...amo!
Laura não agüentou. Naquela tarde mesmo pegou um ônibus de volta para o Rio. Passou no Sendas e comprou tudo o que o maridão gostava. Seria uma senhora surpresa. Chegou em casa, abriu a porta de mansinho e entrou pisando de leve. Roberto Carlos cantava no rádio. Ah, como os dois adoravam Roberto Carlos. Pé ante pé ao som da música, ela foi indo em direção do quarto. A farda espalhada pelo chão da casa toda indicava o caminho.
A mulher abriu a porta e encontrou o marido na cama, de bruços, um homem em cima dele e uma mulher ao lado rindo.
- Anselmo!
- Oi, já chegou?
- O que é isso em cima da minha cama?
- É o pessoal da delegacia.
Ela saiu do quarto e foi até a cozinha. Eles foram atrás, com medo. Laura estava apoiada no fogão, pensativa.
- Laura, você está bem?
- Vocês tinham que ir a Petrópolis. Aquele pedalinho é fantástico!