Escrito por F. Boehl e Phelipe Cruz




::Arquivo


Rio de Janeiro, Brasil



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Daniele amava Rogério. Ele era bonito, sarado e tinha um emprego legal. Perfeito. Ou quase. Daniele achava o marido muito pouco romântico.
- Eu vou dar um jeito nisso, ela pensou.
Dani pegou o namorado num sábado e o levou a uma locadora de vídeos. Escolheu O Piano para levar para a casa.
Fita no videocassete, pipoca na mesinha, Daniele no Rogério. Uma hora e pouco depois, o filme acabou. A menina olha para o namorado com os olhos cheio de lágrimas e um sorriso no rosto.
- Que tal?
- Peraí que eu já volto.
Rogério foi até a cozinha e trouxe um cutelo. Cortou a língua e os dedos de Daniele fora.
Neste fim de semana eles resolveram assistir umas fitas do Van Damme.


 
Camila era uma gata de 18 anos que morava com a mãe. Ambas viviam às turras. Qualquer coisa era motivo para briga. Camila se isolava desse problema, passando horas em um canal de bate-papo lésbico na Internet. Foi aí que conheceu Lulu, uma mulher mais velha, super compreensiva, que entendia exatamente o que a garota sentia. Elas tinham muita coisa em comum, ambas eram loucas pela Madonna, adoravam Powerpuff Girls e não dispensavam uma tequila. Foi rolando uma química, ou uma eletrônica no caso, muito especial entre as duas. Um dia resolveram se conhecer ao vivo. Marcaram num barzinho.
- Eu vou estar de jeans e uma camiseta com uma margarida amarela enorme no peito.
Lulu riu. Ele tinha uma camiseta uma camiseta igualzinha. Combinaram de irem com a mesma camiseta.
No dia do encontro, para desespero de Camila, a peça de roupa tinha sumido. A vaca da mãe deveria ter posto para lavar.
Chegou a hora, e sem alternativa vestiu uma camiseta qualquer. Lulu haveria de entender.
No bar, ela avistou uma mulher que batia com a descrição da pretendida. Aproximou-se devagar e de susto gritou:
- Porra, mãe! Essa camiseta é minha!


 
Adriano se acostumou com a trapaça desde criança. Não podia pensar em outro jeito de resolver um problema ou conseguir alguma coisa se não fosse trapaceando. Sua namorada atual, por exemplo, foi cedida por um amigo que costumava transar com ela. Em troca, o amigo de longa data ganhou um processador novo para o seu computador.

O garoto não tinha tempo para estudar. Nem inteligência para isso. Ficava em casa comendo pipoca. Sabia um pouco de cada coisa e pensava que com isso, sabia muito. Não tinha pra ninguém. Ninguém sabia mais do que ele. Durante qualquer conversa sobre qualquer assunto, Adriano subia a voz e explicava com barbaridades o que os outros discutiam. Os amigos fingiam engolir para depois poder rir pelos cantos. A ingenuidade de Adriano era alimentada pela sua falta de neurônio. Não tinha consciência de que era ridículo e que todo mundo ria de sua pretensão em saber de tudo.

Sua namorada, Carla, era preguiçosa. Sabia que o namorado era uma anta e que merecia um melhor, mas gostava dos passeios de carro pelos restaurantes da cidade. Os pais do garoto eram vendedores de produtos para emagrecer e afins.

Assim ele foi indo e acabou conseguindo um emprego (mentiu no currículo). Três, quatro, cinco anos no mesmo escritório. Era aquele chato que ninguém tinha paciência para conversar. E nem coragem para dizer que ele era um saco. Sua namorada já tinha terminado com ele. Ficou entediada com as conversas de pescador e do sexo papai-mamãe-agora vamos dormir. Para Adriano, estava tudo ótimo: "A vida continua". Não tinha preocupação nenhuma. Enquanto tivesse cerveja, futebol e uma boceta pra comer, beleza.

Quando fez 40 anos, chorou durante uma missa com sua família. Percebeu que não tinha feito nada de importante. Nem pra ele e nem pra ninguém. Saiu da igreja cabisbaixo. Deixou os outros irem de carro. Disse que queria caminhar. Comprou uma pipoca doce e voltou andando para casa: "Que merda de pipoca, tem que ter mais leite condensado"


 
Edílson teve um dia cheio. Por duas vezes o ônibus não parou em seu ponto. E o ônibus demorava cerca de 45 minutos para passar. Logo hoje que ele queria chegar cedo em casa. Discutiu com o chefe, ouviu boatos de que a firma faria demissão em massa, quase perdeu o dedo na prensa. Aquele não era seu dia de sorte. Quando finalmente o ônibus chegou, estava lotado. Edílson a muito custo conseguiu um lugar espremido entre uma senhora gorda e uma mulher com um bebê no colo. A criança estava com as fraldas cheias e o fedor de merda estava insuportável. Isso foi irritando o rapaz profundamente. Quando o bebê começou a chorar, Edílson não titubeou: arrancou o moleque dos braços da mãe e o atirou pela janela bem na hora em que o ônibus cruzava uma ponte.
Edílson até hoje não entende por que os outros presidiários não gostam dele
- Eu tive um dia cheio, pô!


 
Filhos de Copacabana

Cleide era muito fã de Elymar Santos. Seus filhos foram batizados de Elimaria, Elimárcio, Elimarlene e Elimarino. Eles eram pobres. Jair tinha largado a mulher quando o ultimo filho nasceu. Tinha se irritado de tanto ouvir CDs do Elymar. Para ganhar a vida, Cleide e prole passaram a catar lata na entrada do Canecão.
Elimaria era a única que acompanhava a mãe. Os outros filhos ficavam na praia do Leme sobrevivendo de pequenos furtos. A mãe não sabia disso. Se soubesse, daria uma surra nos filhos. No último sábado, Elimaria achou 3 relógios na gaveta do irmão mais velho e quis saber de quem era. Elimárcio se desesperou e pediu para que não contasse nada para mamãe.
- Eu vou contar sim, seu ladrãozinho escroto.
- Se você ficar quieta, eu te dou 3 meses de creme para cabelos crespos.
- Então tá!

Elimárcio teve a barra aliviada com a barganha. Contudo, não gostava nada da situação. Queria se livrar de qualquer jeito das diversas chantagens e frios na barriga que sua irmã mais velha causava. Mas não sabia por onde começar porque era muito burro. Resolveu consultar Darlene Cascata de Luz, uma traveca de 60 anos que ainda fazia ponto na avenida Atlântica, perto do Meridien.
Darlene Cascata da Luz era a segunda mãe do menino. Foi a primeira experiência amorosa de Pepeco. Assim ela o chamava. Enquanto andava pela rua, o garoto ia pensando em como iria explicar para ela que roubava relógios na praia. De longe, já conseguia avistar a prostituta. Ela se destacava por usar roupas chamativas e pelo seu 1.90 de altura. Explicou tudo com muita calma e Darlene só ouvia. Não dizia nada. O garoto ficou em silêncio esperando um conselho. Darlene foi curta e grossa: amanhã, leva a sua irmã lá em casa!

O prédio para onde o irmão levou Elimaria ficava na Princesa Isabel. O corredor muito estreito fazia com que o ombro das pessoas saíssem tocando as campainhas dos apartamentos. Elimárcio chegou ao 1201 e bateu na porta.
Uma voz de ganso gritou lá de dentro: Você tem a chave. Não faz a boba não!
O menino olhou para a cara da irmã. Tirou a chave do bolso e abriu a porta.
Elimaria estava muda. Entraram na quitinete cheia de cortinas de miçangas, ursos de pelúcias rosa e espelho em todas as paredes.
Darlene Cascata da Luz estava no banho e dava as instruções lá de dentro:
- Não mexa em nada. Explica pra sua irmã a minha condição, Pepeco. Como nós nos conhecemos e como foi bom pra você. - E caía na gargalhada.
Elimaria ficou branca. O irmão não esperava que Darlene ia entregar isso tão de bandeja. A irmã fala "Eu vou embora, chega!" E Darlene grita: "Já deixei o porteiro avisado que nenhum de vocês dois saem a não ser comigo. A gente vai dar uma volta. Espera um momento que eu estou acabando de me raspar."
Darlene saiu do banho com apenas um peignoir de plumas cobrindo o corpanzil. Olhou para Elimaria
- Então, Pepeco, esta é a sacana da sua irmã?
Elimaria protestou:
- Em primeiro lugar, sacana é a senhora sua mãe! E o nome do meliante é Elimárcio e não Pepeco.
- Elimárcio??? - Darlene ficou pálida - Então você é...
- Elimaria! - Os olhos da menina ficaram vidrados nos de Darlene. Elimaria balbuciou:
- Papai, é você?

Elimárcio foi direto pro banheiro. Não agüentou o misto de surpresa e tensão. Vomitou tudo no vaso sanitário. Saiu do banheiro gritando pela sala:
- Eu transei com você. E você é meu pai. E agora? O que você quer que eu faça? Que eu transe com minha irmã? Quer que eu pule daqui de cima? Como você espera que eu fique depois de ouvir isso tudo? Hein? Hein? – Darlene logo se prontifica e responde:
- Você está sendo egoísta. E eu? Não sinto nada? – Antes de ouvir o que Darlene tinha pra dizer, Elimaria taca um tubo de creme de 1 litro na cabeça dela. O traveco-prostituto de 60 anos cai no chão. Elimárcio, fora de si, pega o sapato mais próximo e finca o salto alto no pescoço cheio de creme do seu pai. O sangue esguicha.
Os dois saem correndo do prédio e o porteiro vai atrás na mesma velocidade. Vão em direção a praia feito loucos, quase sendo atropelados pelos carros da Avenida Atlântica. Gesticulam desesperados para que algum carro pare. O porteiro corre atrás com um pedaço de madeira. Elimaria se joga em cima de uma Pajero, que abre a porta: entre logo, meninos!
Os dois nem acreditam. Estavam com o coração na boca. Sentados no carro, choram desesperados e só se acalmam quando vêem que o carinho que recebem na cabeça é de Elymar Santos.


 
André já não agüentava mais morar com a mãe. Ela era muito autoritária. Hora pra isso, hora pra aquilo. Resolveu dar um basta nisso. Foi morar com o pai. Lá, encontrou o paraíso. O pai era mais que um pai. Era um amigão. Parecia que os dois tinham a mesma idade. Um dia, quando os dois estavam fumando um baseado, resolveram jogar o jogo da verdade. Cada um tinha que contar um segredo inconfessável. André foi o primeiro:
- Uma vez eu beijei um cara na boca.
O pai começou a chorar e saiu da sala. André pensou que tinha feito merda e desconfiou que o pai fosse pensar que ele era gay. O pai demorou no quarto. Depois de meia hora, aparece na sala vestido de mulher:
- Agora eu sei que posso confiar em você, meu filho!
André arregalou os olhos e achou melhor ir dormir.
Na semana seguinte, durante todos os dias, o pai de André usou indumentária feminina. O porteiro do prédio passou a freqüentar a casa.
André resolveu voltar pra casa da mãe. O síndico do condomínio de seu pai já convocou uma reunião extra. Parece que eles precisam de um outro porteiro.






 
Letícia era uma gata radical. Do tipo que apresenta programas esportivos nas redes de tevê a cabo. A última aventura que planejou foi atravessar o Pacífico sozinha numa prancha de windsurf.
- Que loucura, Lê!
- Eu sei. Por isso mesmo que eu tou fazendo.
Letícia se preparou meses a fio, ganhou patrocínio, virou capa da Playboy. Partiu do Chile numa bela manhã de sol em direção à Austrália. Tudo transcorreu muito bem, sem grandes percalços. Um dia, contudo, uma tempestade tropical fez Letícia naufragar, perder a maior parte do seu equipamento e quase morrer. Com muita sorte ela foi parar numa ilhota perdida no meio do oceano. A ilha era um atol, com uns 20 coqueiros e nenhuma água potável.
Letícia sentiu-se miserável, mas não esmoreceu. Com engenho, construiu um abrigo e criou um jeito de destilar a água do mar. Sua alimentação consistia em peixe e coco. Sabia que cedo ou tarde uma equipe de resgate a encontraria.
Um manhã, Letícia estava mergulhando atrás de uma tartaruga, quando percebeu que seu abrigo estava em chamas. Nadou até a areia, mas era tarde demais. Estava tudo destruído. A moça caiu em prantos amaldiçoando Deus e seu destino. Estava condenada.
Enquanto chorava desesperadamente, ouviu uma voz em inglês.
- Moça, vimos o seu sinal de fumaça, você está salva.
Era um tripulante de um navio pesqueiro. Letícia agradeceu aos céus. Percebeu que o destino havia pregado uma peça. Feliz da vida, foi levada a bordo.
A tripulação, composta só por homens que não viam mulher há semanas, não resistiu a beleza sarada da náufraga. Violentaram-na repetidamente, por fim a mataram, jogando seu cadáver no mar.






 
- Senta aqui... Me faz carinho porque hoje eu tô precisando. Já tomei mil remédios pra curar minha dor de cabeça, mas hoje parece que ela não quer ir embora. Levou as crianças no colégio? Ótimo...fico mais tranqüilo...Sônia, faz um favor? Se eu partir, promete que cuidará bem deles. Que vai manter viva neles a chama do meu amor e de meu carinho. Eu quero que eles se tornem adultos responsáveis e plenos. Eu fiz muita besteira durante toda minha vida. Nunca fui correto e calmo. Você sempre foi carinhosa, presente, consciente sobre a real necessidade de nossos filhos...eu queria dizer que te amo sobre todas as coisas.

Sônia não dizia uma palavra. Ouvia chorando o que o marido tinha pra dizer. Estava sendo forte diante da morte do marido. Armando continuava:
- Eu sempre me achei menor que você. Me casei contigo porque sentia que você podia me acolher melhor. Me segurar melhor. Eu sou um fraco, você sabe né? Quando a Rita nasceu, lá no hospital, você me olhava durante o parto e tinha uma cara linda, feliz...diante do meu choro e do meu medo, percebi que contigo era tudo mais simples. Eu te amo. Nunca se esqueça disso. Que isso, Sônia? Você tá esfregando a buceta na minha perna? Pra tudo tem hora, né?



 
O erro

Dona Lote andava com as economias apertadas e para remediar isso resolveu pôr para alugar uma pecinha nos fundos de sua casa no Méier. Entre os poucos candidatos a hóspedes que apareceram, ela escolheu Biel e Rafinha, dois estudantes do interior. Dona Lote não poderia ter sido mais feliz na escolha. Os rapazes eram um primor! Não fumavam, nem bebiam, tampouco usavam drogas. Não faziam baderna e nem traziam vagabundas para o cafofo. E nunca atrasavam o aluguel. Até as vizinhas, que eram umas chatas venenosas, elogiavam:
- Seus rapazes são uns anjos. dona Lote. - Dizia a piranha da Cleide, que não podia ver um homem na frente.
- Umas moças. - Completava Silmara, escorrendo peçonha pelo canto das beiçolas.
O que dona Lote não sabia é que os rapazes já tinham a maior fama de veado pelo Méier. Os garotos da região não perdoavam:
- Lá vêm as bichas!
E caploft! Um ovo voava no meio das melenas louras de um dos infelizes. Rafinha e Biel, nem se viravam, apressavam o passo e iam se esconder em sua pecinha.
No último feriado, Dona Lote resolveu viajar para Muriqui com a família. Seus hóspedes optaram por pegar um solzinho nas areias do Leblon.
Sexta de manhã, eles ajudaram a dona da casa a encher o porta-mala do Corsa, deram tchauzinho e pegaram o 476 em direção aos coliformes mais charmosos do Brasil.
Rafinha e Biel passaram um dia maravilhoso na praia. Jogaram frescobol, compraram canga, comeram queijo assado, subiram e desceram o calçadão umas quatro vezes e ainda pegaram de graça um show da Marisa Monte. Quando a tarde ia caindo, decidiram assistir ao pôr-do-sol da pedra do Arpoador.
Chegando lá, encontraram Marcão, o Turco, Ratazana, Leleco e mais uma galera do Méier fumando maconha nas pedras. Era o povo que costumava tacar ovo neles.
Marcão gritou:
- Aê galera, os boiolas da dona Lote!
Ratazana emendou:
- Vamos comer essas bichas de porrada!
O povo todo concordou e circularam os dois garotos. Marcão liderando se postou na frente e preparou pra enfiar um direto no queixo do Biel. Mas não conseguiu.
Biel e Rafinha se transformaram em luz e os agressores foram cegados imediatamente. Uma voz doce como flauta e estrondosa como um trovão ecoou pelos céus.
- Os séculos passam e vós não aprendeis!
Do céu, uma chuva de fogo caiu sobre o Rio de Janeiro e sua vizinha, Niterói, reduzindo-as a escombros e cinzas. Dona Lote e seus dois filhos escaparam incólumes em Muriqui. Contudo o marido dela, tinha voltado, por que finalmente um técnico da Telemar iria instalar o telefone no sábado pela manhã. Acabou virando uma estátua de sal. A Telemar nem apareceu.



 
Michelly era uma garota cerveja. Tinha seios enormes e bunda idem. Era linda. Saiu do Rio Grande do Sul para conquistar o mundo. Conquistou o Brasil só, mas já tá bom. Filha de pais conservadores e com uma grande ambição, disse ao sair de casa: "Mãe, aquela saia preta tá limpa?" E foi.

Conheceu George na festa de uma agência de publicidade que ela não lembra direito o nome. E foi amor à primeira vista. Ele era o mais bem vestido e presidente de uma empresa de telecomunicações brasileira. Convidou a modelo, recém capa da Playboy, para sua casa, onde uns amigos estariam cheirando e bebendo o hype do momento. Ela aceitou o convite. Entrou no carro importado de George e subiu até a mansão.

Chegando lá, não acreditou no que viu. Garotos pelados pulando na piscina e vários atores sem camisa dormindo nos sofás. Pensou por um momento que poderia ser a casa de Elton John (não, ela não pensaria isso). Tinha muitas senhoras também. Pareciam árvores de natal, cobertas de enfeites, ouro, perfumes e brilhos. A música clássica era o som ambiente. George procurou deixá-la à vontade: "Fique a vontade. Vá até o meu quarto. Suba essas escadas aqui".

Quarenta minutos e nada de George aparecer. Michelly já tinha fuçado em tudo. Porta-retrato, cd´s, revistas importadas. Tinha até ligado o computador e jogado paciência. George bate na porta ao entrar:
-Deixa de ser bobo, entra logo!
-Não sei. Eu te pedi pra ficar à vontade. Se você tivesse levado isso a sério,... (Michelly põe o dedo na boca de George e sussurra)
-Fica quieto. O melhor que você pode fazer agora é tirar a roupa.
-Michelly, eu não sei se você percebeu. Mas eu sou gay. Namoro um deputado famoso e só te chamei pra festa porque te acho bonita. Além disso, presenças de capas da Playboy na mansão de um playboy, seria bem divertido (e riu).

Michelly voltou para casa com um nó na garganta. Conheceu pela primeira vez um mundo que nunca sonhou existir. Morava sozinha e de repente sentiu saudades do ex-namorado que se parece com o porteiro. Sentiu saudades das panelas de feijão da mãe. Sentiu saudades de suas havaianas que ficavam na porta de entrada das casas que visitava e começou a chorar. Chorou, chorou, chorou.

No domingo, foi chamada pra comer pizza no Faustão. Pôs o melhor vestido e foi. Falou de sua carreira, sentou-se ao lado do namorado da Marília Gabriela e pediu mais paz no mundo. Chegou em casa e a secretária eletrônica contava 28 recados. Dentre eles, o de sua mãe: "O Faustão é esquisito, né, minha filha? Parece uma pêra!".



 
Valéria conheceu Hans na quadra da escola de samba. Hans era europeu, uns 40 anos mais velho, rico. Valéria havia tirado a sorte grande.
- Você não quer passar uma semana comigo no meu veleiro? Só eu, você e o Atlântico!
- Claro!
No dia seguinte eles já estavam no veleiro. E algumas horas depois no meio do oceano. Hans era o máximo e a tratava como uma princesa. Valéria se sentia nas nuvens. A noite caiu e os dois foram pra cama. Uma cama redonda e espelho no teto. A cabine do barco era praticamente um motel.
- Algemas?
- É. Gostou da surpresa?
Valéria deu uma risadinha safada e deixou se algemar na cama. Hans deu uma cheirada numa carreira de cocaína, deu um gole no whisky e pulou em cima da mulher. Beijo aqui, beijo ali e de repente um grito. Hans fez uma careta e caiu morto.
Faz três dias que o cara tá morto e Valéria presa. Ela se mira no espelho o tempo todo e começa a achar que o seu corte de cabelo está uma merda.


 
Antônia descobriu o segredo da felicidade. Assim, de uma hora para a outra. Foi quando ela estava a conversar com Dagoberto no telefone. Dagoberto era gente boa, inteligente e talentoso, mas extremamente frustrado com a vida. Vivia reclamando. Isso já estava dando nos nervos da amiga. No meio da conversa, Antônia declarou:
- Beto, a vida é simples. Para que complicar?

Dagoberto que só queria mesmo era desabafar e não ouvir lições de vida, concordou e desligou o telefone. Antônia, contudo, ficou com suas próprias palavras ecoando pela mente. Começou a pensar no assunto e viu que ela mesma complicava a própria a vida. Parou em frente ao espelho e olhou a vasta cabeleira que usava:
- Meu deus, quantas horas eu gasto com xampus, secadores e cabeleireiros por causa desse cabelo todo!

Ato contínuo, passou a tesoura nas melenas e as reduziu a zero. Marcos, seu namorado, se assustou quando viu Antônia em um visual skin head. Mas como a garota era meio parecida com a Letícia Spiller, não se importou muito.

Nos dias seguintes, Antônia passou a examinar cada aspecto de sua vida e encontrou varias complicações desnecessárias. Pouco a pouco foi se desfazendo de objetos de sua casa, coisas inúteis, como quadros do Britto e uma faca elétrica que ela só usava no Natal mesmo.
A casa foi ficando vazia. Só sobraram um colchão, um cobertor, um par de vestidos e chinelos. Marco já tinha ido embora muito antes disso acontecer. Antônia nem se importou, o relacionamento dos dois era complicado demais mesmo.

No verão, Antônia se livrou dos vestidos e passou andar nua. Tentou fazer isso na rua, mas a polícia a deteve e chamou a família. Seus pais bem que tentaram fazê-la voltar a razão, mas a garota estava irredutível. Trataram de escondê-la no sitio que tinham em Seropédica. Semana passada, Antônia morreu. Comeu carne envenenada que algum vizinho deixou na lixeira para os cachorros vadios da região. O enterro foi uma coisa simples. Porque, afinal de contas, se a vida e simples, para que complicar a morte então?


 
Zuma

Nasceu no primeiro dia do ano de 1970. Seu pai, realmente não tinha nenhum respeito por ela. Zuma é sacanagem. A mãe até tentou um nome melhor..."não dá pra ser Asta, não, meu amor?" Zuma era muito simpática. Todo mundo gostava dela. Morou na Inglaterra durante 4 anos trabalhando como depiladora. Lá era novidade depilar virilha e ânus. E Zuma fazia isso como ninguém. Nos dias de chuva, ficava com Miles (seu namorado sujo) pelos pubs, bebendo até vomitar. Eles se davam muito bem. Tinham um amigo chamado Bob. Um modelo brasileiro que morava lá e transava com os dois freqüentemente.

Numa quarta-feira de tarde, Bob saindo mais cedo de uma sessão de fotos, resolve visitar Zuma, que abre a porta somente de calcinha. "Ah, que bom que você veio. Não tem nada de bom na televisão". Bob sorriu e começou a beijar ela pelada, ali na porta mesmo. Tirando a roupa rápido, deixou a garrafa de vinho que comprou no caminho, cair e quebrar no chão. "Ô caralho, o carpete tá limpo", reclama Zuma. Ele dá um tapa na cara dela e continua o amasso. Zuma crava as unhas na bunda dele e o joga no chão. Pega um cabo de vassoura e começa bater no modelo, que começa a sangrar. Miles chega a tempo para ajudar. Leva Bob desmaiado, pelado e molhado de sangue até o hospital mais próximo. Zuma chora muito. O amigo está com a cara irreconhecível. O nariz é quase carne moída. "Que aliás, é coisa rara na Inglaterra" - pensa Zuma, lembrando dos tempos que comia carne moída com purê no Brasil.

Bob sai do hospital 3 semanas depois de muito soro e cirurgias. Tudo pago pela Ford Models, que iria demitir o modelo dias depois. Zuma, a pirada, começa a cheirar e se encher de brincos e tatuagens. Miles não a reconhece mais. Termina o namoro sem maiores explicações e deixa a polícia avisada. Bob nunca mais sequer ligou para os dois e está processando a amiga.

A loucura momentânea da menina de Uberaba é inexplicável. Tédio? Frio? Muita chuva? Apartamento com baratas? Ninguém sabe direito. Puxando o histórico de Zuma, ela teve somente um desvio de personalidade aos 7 anos de idade. No colégio, quando chamada a atenção por não ter feito o dever de casa, furou o olho da professora com o lápis. Mas até aí, nada demais. A professora caolha continuou lecionando normalmente.

A família de Zuma no Brasil, liga sempre. Estão preocupados com os ataques terroristas. "Calma, mãe. Não se preocupe... Olha, mês que vem eu tô voltando pra casa. Não agüento de saudades do Brasil...se puder, no dia da minha chegada, faz carne moída?"





 
Jacqueline sempre acompanhava o marido em viagens ao exterior. O cara vivia metido em feiras e convenções pelo mundo afora e com a mulher do lado. Não que ela fosse companheira, foi o jeito que ela viu de marcar cerrado o sujeito e evitar que ele se envolvesse com essas piranhas que habitam hotéis e pavilhões de evento.
A última que ela compareceu foi em Las Vegas. Enquanto o marido trabalhava o dia todo, ela ficava coarando na piscina do hotel. Cansada de tomar banho de sol, resolveu fazer uma visita ao comércio local. Relutantemente, contudo, pois Jacqueline era uma tremenda mão-de-vaca. Acabou entrando numa loja de saldos e pontas de estoque. Entre roupas de poliéster e tênis mastodônticos acabou achando um solitário par de salto alto da Donna Karan por uma pechincha. O tamanho era dois números menores do que o pé dela, só entrou com muito esforço e sofrimento, mas ela não resistiu à barganha e comprou.
- Vou arrasar com essa peruas na festa de hoje. Sou brasileira, mas sou chique.
A vendedora não entendeu nada e Jacqueline deixou por isso mesmo. Ela e o marido haviam sido convidados para um jantar de confraternização em um restaurante pretensioso defronte ao hotel em que estavam. Estava marcado 10 horas lá.
Jacqueline chegou no hotel e viu um bilhete do marido avisando que já estava lá no restaurante. Atrasadíssima, ela se vestiu às pressas, calçou o mimo que recém havia comprado e partiu. Atravessou o saguão do hotel com os pés pedindo socorro. 15 centímetros mais alta, os gritos dos pés não chegavam aos ouvidos da dona.
Para poupar tempo, Jacqueline resolveu evitar a faixa de pedestres e atravessar a rua correndo. Era uma via expressa que separava o hotel do restaurante.
O motorista do caminhão bem que freou quando viu aquela mulher de longo atravessando a rua lentamente. Mas não conseguiu a tempo. Com o impacto, Jacqueline voou longe.
Suas últimas palavras foram:
- Meu deus, esse sapato está me matando.





 
Incríveis e Molhados

Flávio, Alessandro, Rodrigo, Henrique, Kátio, Mosquito, Istéfano e Emiliano trabalhavam juntos. Numa boate em Copacabana que ficava num beco escuro. Ensaiavam a coreografia na casa de Emiliano e Flávio, que dividiam um conjugado perto da boate. E de noite subiam no palco. Com muito gelo seco e óleo no corpo, faziam a alegria dos tarados de plantão.

A maioria dos meninos, vinha do interior. Alguns de São Paulo, outros de Minas e o Mosquito de Manaus. Dona Carmem foi quem começou a formação do grupo. Passeava de madrugada pela praia e pelas ruas e ia fazendo o convite para os meninos. O primeiro a topar foi Kátio, um loiro de Rio Grande do Sul. Tinha os olhos verdes e as mãos pesadas, cheias de calos, de tanto catar tomate em sua cidade. Veio tentar a sorte grande no Rio. Dona Carmem, a loira extravagante de sotaque espanhol e dona da boate, era grossa no tratar. E a seleção, não foi nada fácil. Queria meninos responsáveis:
-Tira a calça! (grita para Kátio, que atende ao pedido).
-Hmmm, pensei que fosse maior. Sabe rebolar?
-Sei, sim senhora!
-Então começa! (os carros passavam e algum deles arremessou um copo de refrigerante nos dois)
-Tá ótimo! Contratado!

Kátio ficou muito feliz. Ia sair das ruas e teria um salário mensal de 400 reais, mais as gorjetas na hora da dança. O resto foi contratado no mês seguinte, junto com Kátio, que tinha uma visão ótima para el show business, como disse Dona Carmem.

De quinta a domingo, os "Incríveis e Molhados", se apresentavam. Lotavam a boate. Ficaram amigos. Trocaram celulares e quando eram agredidos, ligavam para Alessandro, o mais forte de todos, que resolvia o problema com garrafas de cerveja quebrada e muita porrada.

Dona Carmem morre um mês depois. Tinha sido assassinada. Clóvis Bornay, amigo de outros carnavais, assume a direção da boate. Os garotos, revoltados com o assassinato da mãe, resolvem fazer uma apresentação-protesto. Passam tinta vermelha no corpo e ao som de Brasil, mostra sua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim, fazem história.

A boate fecha no mês seguinte e dá espaço para uma igreja evangélica. Eles se encontram às vezes, pelas ruas de Copacabana. E as recordações são infinitas. "Lembra do Mosquito, que bateu com o pau na cara do Guilherme Karam?" E caíam na risada.


 
Emily era legal. Era descolada, se vestia bem, sabia dançar e beber. Era amiga das pessoas mais legais da cidade. Quando as amigas mexiam em sua agenda, uivavam e babavam.
- Eu não acredito que você tem o telefone do Rodrigo Santoro!
Emily não falava nada. Sorria orgulhosa e tomava a agenda antes que o telefone caísse em mãos erradas. Ela seria feliz se não fosse um porém. Ela era gorda. Alguns anos atrás ela era até encarável. Mas com o passar do tempo ela foi ficando cada vez maior. E maior. À medida que engordava, a sua vida social diminuía. Ninguém a convidava mais para festas e seu médico a proibira de beber. Até o Rodrigo Santoro começou a disfarçar a voz ao telefone e fingir que era engano.
Um dia Emily chegou à marca dos 350 quilos e recebeu um telefonema.
- Alô, aqui é da produção do Ratinho. Nós gostaríamos de ter você em nosso programa.
- Tudo bem. Vocês servem lanche?


 
Leona acordou atrasada, nem tomou café, se aprontou e correu para o ponto de ônibus. Por um triz, não o perdeu. Não havia lugar para sentar e ela fica em pé. Um homem começou a bolinar a coitada. Quando ela se virou para enfiar um tapa na cara do abusado, percebeu que não está mais em um ônibus. Agora ela era uma odalisca gorda e varicosa fumando narguilé em algum harém no Oriente Médio. Leona gritou, as outras mulheres correram para acudi-la. Um eunuco se aproximou. Leona deu um tabefe na cara do sujeito. Ela estava de volta no ônibus. No próximo ponto ela desceu. Tirou um espelhinho da bolsa, checou o rosto. Olhou em volta: nenhuma mesquita, nenhum camelo. Leona suspirou.
- Nunca mais misturo Ecstasy com Biotônico Fontoura de novo.




 
Talita e Ana Lúcia estudaram na mesma escola. E passaram juntas no vestibular de Direito da PUC. Estavam sempre juntas mas não eram o que se poderia chamar de melhores amigas. Eram, por sorte ou azar, colegas. Não se apreciavam mutuamente e sempre que podiam falavam mal uma da outra. Estagiaram no mesmo escritório de advocacia e teriam seguido a vida grudadas como siameses se não fosse por um ato de loucura de Talita, que aos vinte e tantos anos resolveu viajar para Índia.
Os anos se passaram e Ana Lúcia nunca mais teve notícias de Talita. Numa tarde qualquer de junho, a advogada notou que havia que seu escritório estava recebendo um novo vizinho com um mobiliário muito estranho. Pirâmides, cristais e uma fonte d'água iam subindo pelo elevador. Ana Lúcia foi averiguar e ficou perplexa.
- Talita?
- Ana Lúcia!
- Quanto tempo, menina!
- É verdade. Está trabalhando com Direito ainda?
- Sim tenho meu escritório. E você?
- Sou astróloga.
- Ah, que legal...
- Escuta, dá para ver que eu estou super ocupada. Quer almoçar comigo amanhã?
- Claro! Sei de um restaurante ótimo aqui.
Talita concordou e no dia seguinte, horário do almoço lá estavam elas num buffet de salada no Jardim Botânico. Conversaram amenidades, trocaram bazófias e maldisseram antigas conhecidas. Quando Talita se levantou para ir ao banheiro, Ana Lúcia aproveitou para pôr veneno de rato no ice-tea da astróloga.





 
Eles pareciam sérios enquanto andavam na orla da praia. João e Beatriz. Eram amigos. Dividiam o mesmo apartamento. Faziam compras juntos, dormiam na mesma cama, trocavam segredos, conselhos e ele não era gay. Nem ela. Beatriz sempre teve vontade de dar para João. Ele era sério e bonito. O contrário dela, que era bem feia e gorda. Tinha verrugas nas mãos, no pescoço e na pele. Respirava em cima dele enquanto conversava e transpirava muito embaixo do braço. Era uma menina inteligente. Tinha um ótimo emprego, assim como João.

Em outubro, Beatriz viajou para a Inglaterra. Deixou João com a saudade. Escrevia as novidades de lá em seu blog, e cada post que o amigo lia, uma lágrima caía (tem certeza que ele não é gay?). Beatriz ia ficar lá por seis meses, como correspondente, para o jornal que trabalhava. João começou a namorar nesse tempo. Trouxe Suzana para morar com ele, e quando Beatriz voltasse da Inglaterra, explicaria tudo direitinho e pediria para ela se mudar. João tinha se apaixonado.

Beatriz volta. João pede para ela se sentar, pois tem que conversar sério:
- Você vai ter que se mudar. Suzana está pagando sua parte e eu quero viver com ela para sempre. Espero que você não fique chateada.
- Que nada. Cada um tem sua vida. Eu me mudo para um apartamento maior. Tá na hora da gente cortar esse cordão umbilical mesmo.
- Que ótimo, Bi. O que achou de Suzana? Ela não é linda?
- É sim. E gosta muito de você. Bom, agora tenho que ir para a redação. Posso usar o banheiro?
- Lógico que não!! (os dois caem na risada)

Beatriz vai para o banheiro. Se limpa com a toalha, joga dentro do vaso e dá descarga. O vaso entope e transborda. Ela vai embora depois de deixar a cortina do banheiro com vários furos feitos pelo cigarro. João encontra a amiga bebendo no pub e pergunta:
- Por que você fez aquilo?
- Sei lá. Sou gorda (e arrota)!